Arte
de combinar os Alimentos e de os combinar de modo a que eles proporcionem o
maior prazer possível. O primeiro gastrônomo nasceu com a primeira carne
assada. Na realidade antes da descoberta do fogo não se pode dar o nome de
gastrônomo ao homem que se alimentava apenas
para subsistir e que não sabia distinguir o bom do mau. Também não
podemos chamar gastrônomo àquele que veio depois dessa descoberta... Não o é quem prefere a quantidade à
qualidade, e aquele que, só para provocar o espanto e a admiração de seus
convidados, apresenta os mais raros e
inesperados alimentos fora de sua época e a despropósito pode não merecer o
nome de gastrônomo. Depois de descobrir o fogo o homem tinha avançado
na civilização porque ao mesmo tempo descobria que havia um sabor novo nos
alimentos cozinhados, um sabor infinitamente melhor, que distingue a sua comida
da comida dos animais selvagens. Foi este, sem dúvida, o primeiro raciocínio
humano que lançou as bases para o conceito atual de gastronomia: alimentar,
mas da melhor maneira, tirando o máximo partido daquilo que a natureza pôs à
disposição do homem para que ele sobrevivesse.
Da carne
assada sobre carvões passou-se à carne grelhada metida em toscos espetos
colocados sobre o fogo, mas a considerável distância dele. Os grãos e cereais, que
se comiam crus ou grelhados, foram sujeitos a novas preparações: moídos davam
farinha, faziam-se papas e destas papas obtinham-se bolachas (foi duma papa de cevada bem espessa que
fermentou, por ter sido abandonada por momentos, que nasceu o primeiro pão).
O homem
tentava assim os primeiros passos, lentos e inseguros como os passos de uma
criança, pelo mundo maravilhoso e de inesgotáveis recursos que é o da arte
culinária. Começava também a história do Mundo e ficava para trás a Pré-História, a época
sombria de ignorância e trevas.
Surgiam as
civilizações: a assíria, a sumérica, a caldaica. E se à primeira não ficamos
devendo mais que a memória de batalhas sangrentas e festins bárbaros e
orgíacos, ficamos devendo à última os magníficos Jardins Suspensos da
Babilônia, pequeno mas fantástico mundo
onde cresciam e se multiplicavam os mais variados vegetais, frutas e legumes. Da
egípcia sem dúvida das civilizações antigas uma das que atingiu maior
perfeição, temos notícias de esplêndidos banquetes em que se respeitavam as
regras básicas da gastronomia e a que as mulheres bonitas, as flores, os
perfumes e a música davam um tom de distinção e de requinte. Comiam-se
grelhados, estufados e assados. Frutas e guloseimas não faltavam. Os egípcios
sabiam já como apresentar os pratos para os tornarem mais atraentes e de
paladar mais rico: sabiam preparar iguarias que guarneciam artisticamente e que
acompanhavam com diversos molhos, e conheciam já os filetes e os falsos
filetes, os cremes e as compotas. Tudo isso nos contam num desenrolar de cor e
de beleza, as inúmeras pinturas e afrescos que os Egípcios nos legaram.
Sob o domínio
deste povo altamente civilizado vieram, durante muitos anos os Hebreus. Quando
se libertaram, chefiados por Moisés, erraram pelo deserto quarenta anos
sofrendo as maiores privações, sujeitos à misericórdia de Deus. Finalmente
fixados na tão esperada Terra Prometida, estabeleceram os fundamentos da sua
cozinha que evoluiu e que é, na origem, a cozinha judaica de Hoje: a manteiga
que eles conheciam foi abolida e a utilização de certos animais para fins
alimentares tornou-se absolutamente interdita. Estes preceitos foram muitas
vezes transgredidos porque o luxo de alguns reinados, o do fabuloso Rei
Salomão, por exemplo a isso convidava. À sumptuosidade, à riqueza e ao exagero
dos bens materiais depressa sucedem os desregramentos e as orgias. E daí à
decadência é um pequeníssimo, salto. Todas as épocas históricas com as mesmas
características no-lo provam.
Os Gregos,
Espíritos elevados, não fizeram da gastronomia uma preocupação artística.
Ocupavam-se mais com a literatura, a poesia e a música, o que não os impedia de
aproveitarem o bom assado ou um delicioso vinho bem aromatizado. Houve até um
Grego, de nome Lincurgo, que pretendeu fazer dos espartanos só soldados: para
isso era necessário endurece-los fisicamente e tirar-lhes o prazer da boa mesa.
Inventou então o famoso caldo negro ou guisado negro, que ninguém sabe
ao certo do que era constituído, (ainda bem) talvez de carnes negras
carbonizadas e de vinagre, tudo acompanhado com plantas aromáticas e amargas. Era
a negação completa da gastronomia, mas, na verdade, os homens não podem viver
sem comer bem. Por isso o reinado do caldo negro foi de curta duração e o seu
criador assaltado e ferido, tendo se dado por muito feliz por escapar à fúria
destruidora de seus atacantes. A tentativa de Lincurgo falhou, portanto,
redondamente, e como contra-ataque a gastronomia na Grécia desenvolveu-se
muitíssimo após esse episódio tragicômico.
Desenvolveu-se sobretudo graças às obras de certos gastrônomos,
nomeadamente Arquestrade, que escreveu A Gastronomia, livro que se
perdeu e que nós só conhecemos através de outros autores seus contemporâneos. Depois
da era do caldo negro de Lincurgo os alimentos cresceram em numero e em
variedade. As iguarias enriqueciam-se com condimentos novos. As exortações de
muitos, alguns dos quais vegetarianos, não impediram que a gastronomia
continuasse o seu progressivo caminho. Aliás os Gregos, impulsionadores de
tantas artes, não levaram esta ao seu apogeu. Na Grécia os banquetes eram mais
motivo de reunião e de entretenimento do que de prazer gastronômico. Mas este
estado de coisas também não durou muito tempo. Nos séculos IV e V, na época
clássica da civilização helênica, os banquetes já apresentavam características
diferentes:os convivas não comiam sentados e sim deitados, o que está provado
ser um erro gastronômico sob todos os aspetos, e muitas vezes, depois de terem
comido bem e bebido melhor, tinham de ser levados para as casas profundamente
inconscientes.
Sintomas da
decadência que se avizinhava e que nem
mesmo as vozes isoladas de puritanos, de moralistas ou de higienistas puderam
evitar, decadência que iria terminar sob o domínio dos Romanos, esse povo que
foi nosso antepassado e que tantas tradições nos legou.
No principio
entre os Romanos existia a fragilidade. Pobres como todo e qualquer povo
incivilizado, preocupados com as suas guerras e as suas conquistas, os Romanos
não tinham nem recursos nem preocupações gastronômicas. Uns e outros vieram à
medida em que iam dominando povos. De cada um deles receberam tudo aquilo que
até então nunca tinham conhecido, desde a cereja ao faisão. Foi dos Gregos a
civilização mais avançada e perfeita com que contataram, que receberam uma
maior e mais profunda influência.
A mesa Romana
ia atingir um luxo desmedido que acabaria no desregramento que tão bem
conhecido ficou na história. A riqueza dos elementos que compunham uma refeição
era extraordinária: todos os povos dominados, voluntária ou involuntariamente,
puseram à disposição da arte e do engenho dos Romanos todos os seus
conhecimentos. Da combinação desses conhecimentos nasceu a Gastronomia mais
completa até então. E assim, da frugalidade se passou ao extremo
absolutamente oposto.
Os
Romanos, tal como os Gregos da decadência, faziam do comer uma das razões
principais de sua vida. De tal maneira que se chegou a um processo para gozar
melhor esse prazer, processo que hoje nos repugna sobremaneira: para saborearem
de novo a comida, para poderem voltar ao principio, os Romanos regurgitavam
tudo o que haviam ingerido durante uma refeição. Assim se negava mais uma vez,
embora do lado oposto de Licurgo, o conceito superior da gastronomia. Mas
a par destes autênticos “Monstros” de gula existia ainda em Roma, como na
Grécia, quem pugnasse por uma alimentação digna e sã, que não excluía a
preocupação culinária.
Os anos que
se seguiram após a decadência romana foram de desolação. Os Bárbaros saltavam
as fronteiras dos seus territórios e à medida que conquistavam destruíam. O
brilho das civilizações antigas escureceu, até desapareceu. As artes foram
esquecidas, a gastronomia atraiçoada. Para estes povos do Norte, sem a mínima
cultura, não existia o prazer de bem comer mas sim o de comer bem.
Mas esta
situação não podia prolongar-se indefinidamente, sobretudo a partir do momento
em que estes autênticos selvagens lançaram um primeiro olhar para os banquetes,
para as salas faustosas e para os hábitos luxuosos e civilizados dos seus
vencidos. E assim veio a terminar mais um período de eclipse da história da gastronomia.
Diversos
historiadores apresentam-nos a cozinha de Idade Média confusa e pouco variada. No
entanto é nela que, em geral, têm origem todas as cozinhas nacionais que se
distinguiram depois por características éticas e geográficas, como era óbvio
que acontecesse. E no aspecto da alimentação a Idade Média foi uma época
infeliz, porque sofreu numerosos períodos de fome. Mas como os cozinheiros e
gastrônomos não deixaram nunca de existir, mesmo através das maiores
vicissitudes, no século seguinte a gastronomia renascia, a par de todas as
artes e à imitação dos clássicos. Sem dúvida que a riqueza da baixela e o luxo
do serviço contribuíram também grandemente para essa renascença.
E hoje, nos
nossos dias, o que é da gastronomia?
Hoje vivesse
a era do bife, do prato do dia e das refeições em pílulas. Era determinada pela
urgência de viver, pelo nervosismo da hora atual, materialista e prática.
Apesar desta rotina e desta monotonia a ciência gastronómica sobreviverá como
já sobreviveu noutras épocas. Para a defender e Alimentar, formam-se sociedades
de gastronomia. Verdadeiros centros de artistas na arte de bem comer, confirmadores
do aforismo de Brillat-Savarim: “A ciência que alimenta os homens é muito
superior, pelo menos, àquela que os ensina a matar.”
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